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O poder do ponto de vista, ou a função da perspectiva na narrativa

  • Foto do escritor: Lucas Freitas
    Lucas Freitas
  • 24 de jul.
  • 14 min de leitura

Atualizado: 24 de jul.

Uma breve discussão sobre como a escolha da perspectiva, ou do ponto de vista, pode afetar uma narrativa.


Detalhe da capa de Daredevil v1.#257, que apresenta o confronto entre o Demolidor e o Justiceiro

Saudações!


Bem, já faz um bom tempo que não trago um texto 100% sobre narrativa. Acredito que, fora a tradução da última parte dos artigos sobre Yuri on Ice, a última vez que tocamos no assunto foi quando falamos sobre a questão da unidade temática em Golden Wind, vulgo a Parte 5 de Jojo's Bizarre Adventures.


Hoje, pretendo reverter essa situação e, para isso, gostaria de trazer um novo tópico para discutirmos, dessa vez, a questão do ponto de vista, que também pode ser conhecida como perspectiva e até mesmo foco narrativo.


Mas vamos por partes, sim?


Como sempre, segue aqui o breve sumário dos tópicos que iremos discutir ao longo do texto:




Agora, sem mais delongas, vamos para o artigo!


Ponto de vista - o que é?


Se você se lembra de nossos últimos debates sobre narrativa, eu costumo sempre começar a discussão trazendo as definições do temas propostos. E hoje, não vai ser diferente. De modo geral, gosto de definir ponto de vista como uma espécie de moldura para a história. Se o tema e a ideia são uma planta baixa que podemos usar para desenvolver a história, o ponto de vista funciona como um tipo de escala, através do qual precisamos ajustar a construção narrativa.


Afinal, escrever não é tanto sobre o que você coloca na página, mas também sobre o como você o coloca e sobre o que você não coloca. Infelizmente não sei quem disse essa frase, apesar de ter total certeza de que ela não é minha, mas esse processo de escolha é vital para a construção de uma história. Quer um exemplo? Então vamos pegar o caso da escolha do narrador.


Como você bem sabe, podemos utilizar o narrador dentro de 3 funções: a Primeira Pessoa (eu), Segunda Pessoa (você), Terceira Pessoa (ele/ela). Cada uma dessas funções, por sua vez, trará efeitos diferentes para nossa história. Um narrador em primeira pessoa, vulgo narrador personagem, tende a aproximar o leitor da história, uma vez que estabelece um diálogo com ele, enquanto permite que suas emoções e pensamentos sejam apresentados diretamente ao leitor. Ao mesmo tempo, o uso desse narrado termina limitando o acesso do leitor às informações da história, uma vez que ele se torna o filtro pelo qual vamos tomando conhecimento do que está acontecendo.


Montagem que reúne fotos de Edgar Allan Poe e H.P.Lovecraft, dois autores do universo do horror

É justamente por isso que vemos tantas histórias de horror clássicas escritas em primeira pessoa. Autores como Poe e Lovecraft, que trabalhavam bastante o impacto emocional dos eventos sobre seus personagens, utilizavam bastante desse recurso para apresentar as paisagens internas de seus protagonistas quando diante das fontes de seus horrores. Da mesma forma, uma vez que esse narrador nos apresenta a história, condicionando as informações que recebemos, não é de todo incomum que encontremos, aqui e ali, um narrador não confiável, narrador esse que também não é totalmente estranho ao universo do horror.


Indo para um caminho um pouco diferente, o narrador em terceira pessoa constrói um efeito diverso. Uma vez que não é um personagem, essa figura tem uma visão panorâmica do que está acontecendo. Essa visão, que pode ser limitada ou onisciente, ajuda o leitor a ter uma visão global da história, conseguindo ver o que os personagens sentem ao mesmo tempo em que testemunham os eventos que ocorrem ao seu redor, oferecendo, assim, uma visão que é tanto externa quanto interna.


Da mesma forma, os protagonistas da nossa história também exercem um papel importante para estabelecer o ponto de vista da mesma. Afinal, é a partir de suas crenças, valores e ideias que a narrativa irá se desenvolver, e é a partir do ponto de vista deles que saberemos se um desdobramento é algo positivo ou negativo, se um outro personagem é um antagonista ou ajudante.


Aqui, trago mais uma defnição, a de Robert McKee.


Montagem que apresenta o roteirista Robert McKee e a capa de seu livro mais famoso: Story

Para o roteirista, o ponto de vista possuí dois significados. O primeiro, mais técnico, diz respeito ao enquadramento e posicionamento da câmera, à construção da cena. Já o segundo, é o processo de construção da própria narrativa, onde o escritor decide através de qual visão irá apresentar sua história. Mais especificamente:


Geralmente, portanto, contar a estória toda do Ponto de Vista do protagonista - disciplinar-se para o protagonista, fazer com que ele seja o centro de seu universo imaginativo, e trazer toda a estória, evento por evento, para o protagonista enriquece a narrativa. O público testemunha os eventos apenas quando o protagonista os encontrar. (p.341)

Assim, voltando àquela definição que eu dei, temos que o ponto de vista funciona como um foco, condicionando as decisões que vamos precisar tomar para desenvolver nossa história. E isso é extremamente importante.


Então, acho que consegui deixar um pouco mais claro como a escolha do ponto de vista termina afetando as decisões narrativas que vamos tomando ao longo da história, certo?


Feito isso, vamos deixar as coisas um pouco mais interessantes e seguir para um exemplo do impacto do ponto de vista na prática. No exemplo de hoje, vou usar duas histórias que, apesar de seguirem uma mesma premissa, seguem por caminhos completamente diferentes devido justamente aos personagens que oferecem seus pontos de vista. As histórias em questão, um crossover entre o Demolidor e o Justiceiro, foram publicadas nas edições The Punisher v2. 10 e Daredevil v1. 257, ambas de agosto de 1988.


Quando pontos de vista se chocam - Demolidor vs. Justiceiro:


Então, escolhi esse crossover porque acredito que ele nos apresenta um exemplo bem interessante de como o ponto de vista pode afetar uma narrativa, uma vez que ambas as narrativas contam, na verdade, uma mesma história, mas que é conduzida por caminhos bem diferentes.


Iniciando em The Punisher v2. 10, acompanhamos o Justiceiro em sua busca por um serial killer que está adulterando uma série de medicamentos, ocasionando, assim, uma série de mortes. Já de saída, não temos como não comentar que essa história se inspira diretamente no Caso Tylenol. Se você nunca ouviu falar nesse caso, vou deixar algumas referências em anexo, mas, a título de resumo, saiba que esse foi o nome dado para uma série de assassinatos que aconteceram em Chicago em 1982. A arma do crime? Cápsulas adulteradas de tylenol, que, no lugar da medicação, traziam cianeto. Tendo causado uma grande comoção na época, o caso fez com que a Johnson & Johnson fizesse um recall gigantesco dos produtos nos Estados Unidos, além de adotar uma série de medidas que tornariam futuras adulterações um processo inviável.


Pois bem, apesar de começar na revista do Justiceiro, essa história também é apresentada na revista do Demolidor, e oferece uma perspectiva bem legal de como os pontos de vistas divergentes desses dois personagens afetam a estrutura de suas histórias.


E é sobre isso que vamos falar agora.


O ponto de vista do Justiceiro:


Capa de The Punisher v2.#!0, que representa uma luta entra o Justiceiro e o Demolidor

O encontro desses dois personagens começa em uma história do Justiceiro, mais especificamente em "O Canalha" (The Punisher v2. 10), de modo que é dele o primeiro ponto de vista que temos acesso.

Justiceiro sentado, assistindo ao noticiário - arte interna de The Punisher v2.#10, que apresenta o ponto de vista do anti-herói

Após a abertura nos revelar que o assassinato misterioso fez mais uma vítima, vemos Frank Castle acompanhando o noticiário antes de retornar a sua investigação. Percebendo que o assassino deseja sabotar a Corporação Zum, a farmacêutica responsável pela produção dos medicamentos que culminaram nas mortes, o anti-herói retoma sua pesquisa em meio aos arquivos de ex-funcionários da empresa, antes de apelar para a ajuda das Testemunhas de Jeová.


Teria o personagem desistido de sua vida de matanças e decidido encontrar Jesus? Não. O contato ocorre, na verdade, para ajudar sua investigação. Uma vez que esse grupo é conhecido por visitar pessoas, os mesmos terminam entrando em contato com uma série de indivíduos, notando comportamentos estranhos e divergentes. Esse palpite do Justiceiro compensa, uma vez que ele recebe o endereço de um sujeito chamado Alfred Coopersmith.


Quando finalmente é apresentado, Coopersmith é o típico psicopata dos quadrinhos. Recluso, viciando em halterofilismo, o homem parece estar em uma missão pessoal contra a empresa da qual fez parte. E parece não se importar com as pessoas que está matando ao longo do caminho.


E assim o palco está armado para o encontro dos dois personagens.


Nesse momento, temos um momento bem curioso de paralelismo. Pois, antes de receber o endereço do assassino, o Justiceiro assiste uma breve entrevista com o Demolidor, onde o mesmo convida o assassino a se entregar, garantindo que o mesmo irá ser agraciado com um julgamento justo. Nesse momento, vemos as reações tanto do anti-herói quanto do assassino que, cada um a sua maneira, desdenham da proposta do herói, traçando, assim, um paralelo entre as visões extremas dos dois personagens, que se aproximam: o primeiro por não acreditar no sistema, reconhecendo as falhas inerentes ao mesmo e vendo o assassino como um elemento irrecuperável, já o segundo por não ver motivos para parar com sua guerra contra a companhia.


Cena de The Punisher v2.#10 que apresenta o paralelismo entre o Justiceiro e seu alvo

Ao receber a confirmação do endereço do assassino, o Justiceiro parte em seu encalço, se disfarçando de um encanador. Ao chegar no prédio onde Coopersmith mora, Castle é recebido por Cindy, uma vizinha do assassino, que pede ajuda com o próprio encanamento. Enquanto faz sua parte do serviço, o anti-herói sonda a vizinha, procurando mais informações sobre sua presa. É nesse momento que duas coisas acontecem: primeiro, ele impede que Cindy use um produto da Zum, possivelmente salvando a mulher de se tornar mais uma vítima. Depois, é mais ou menos nesse instante em que Alfred retorna.


O Justiceiro remove seu disfarce e parte para ação, arte interna de The Punisher v2.#10

Abandonando seu disfarce, o Justiceiro parte para cima do assassino, e a luta dos dois os leva para o telhado do prédio. Apesar de seu preparo físico, o Assassino da Aspirina é logo superado por Castle, que está prestes a jogá-lo de cima do edifício quando é interrompido pelo Demolidor.


O que se segue é um novo confronto, desta vez entre o herói e o anti-herói onde, entre socos e chutes, escapa uma breve discussão a respeito das crenças e métodos dos dois. Depois de um confronto violento, o Homem Sem Medo, consegue vencer Castle e Coopersmith, levando o assassino para ser julgado, enquanto o Justiceiro observa a partida do herói, pensando em como o sistema é falho e que será apenas uma questão de tempo até que o assassino volte às ruas.


O Justiceiro observa do topo de um prédio enquanto o Demolidor vai embora, levando sua quase vítima. Aqui se encerra a história que apresenta seu ponto de vista

E eis que chegamos ao final da história como contada pelo ponto de vista do Justiceiro.


Mas essa é uma história que não termina por aqui.


O ponto de vista do Demolidor:

Capa de Daredevil v1.#257, que representa uma luta entra o Demolidor e o Justiceiro

Antes de apresentarmos o ponto de vista do Demolidor a respeito dessa história, apresentada em "O Valentão" (Daredevil v1. 257), é preciso fazer alguns apartes.


No caso, apesar de seguir a premissa apresentada na história do Justiceiro, existe uma série de narrativas paralelas acontecendo ao longo da história, uma vez que o Homem Sem Medo se encontrava no meio de seu próprio arco narrativo. Assim, não teremos aqui a mesma concisão da história de Frank Castle. Da mesma forma, vou ignorar o máximo possível dessas tramas paralelas e me focar exclusivamente no caso do Assassino da Aspirina em si.


Agora vamos lá.


Enquanto entrega um grupo de traficantes em uma delegacia, o Demolidor é abordado por um grupo de jornalistas que quer saber sua opinião sobre um recente massacre em uma boca de fuma, promovido pelo Justiceiro. Como de se esperar, o herói se coloca como veemente contra esse tipo de "justiça", uma vez que a mesma é realizada a margem da sociedade e do devido processo legal. É nesse momento que o Homem Sem Medo é indagado sobre o caso do Assassino da Aspirina, fazendo o pedido para que o assassino se entregue - aquele mesmo que vimos na história de Frank Castle - antes de entrar no recinto.


O Demolidor chega na delegacia e se prepara para investigar o caso do Assassino da Aspirina, dando início ao seu ponto de vista da história

Dentro do prédio, ele pede ao seu contato, o detetive Bucko, que lhe deixe examinar evidências que a polícia tem dos crimes envolvendo os medicamentos adulterados, sendo então encaminhado para uma delegacia no Queens. Uma vez lá, ele examina as provas com seus sentidos hiperaguçados, e encontra uma evidência que os investigadores deixaram passar: o cheiro de um óleo comumente utilizado por halterofilistas.


Desse ponto em diante, as investigações do Demolidor e do Justiceiro começam a divergir.


Enquanto Castle recorreu a meios indiretos, o Homem Sem Medo decide ir diretamente até a Corporação Zum para investigar. Lá dentro, fala com um zelador da empresa. É na conversa com o homem que ele vem a descobrir a história de Alfred Coopersmith. Funcionário exemplar da empresa, Alf, como é apelidado, teve uma experiência terrível quando a empresa passou a automatizar seus processos. Não conseguindo acompanhar as inovações tecnológicas, e tendo fortes dificuldades em mexer com os computadores, foi demitido, mesmo depois de tantos anos de serviço.


Demolidor conversa com o zelador da Corporação Zum em um ambiente tomado por máquinas

Perceba, já aqui, que esse é um contexto que não temos de forma alguma na história do Justiceiro. Ali, sabemos apenas que Alfred foi demitido, e que, por isso, está atrás de vingança. Já aqui, o assassino ganha toda uma dimensão humana, com todo um contexto de inadequação, obsolência e substituição que fomentam sua raiva. De fato, sendo substituído pela máquina, e de uma forma extremamente seca, Alfred perde seu referencial de mundo, e tudo o que lhe resta é um ódio e uma raiva que suplantam até mesmo seu julgamento de certo e errado. Tanto é que temos toda uma página onde o personagem consegue apresentar seu estado mental.


Reforçando essa perspectiva da dimensão brutal do sistema, perceba também que todo o interior da Corporação Zum é representando como tomado por máquinas, com seus detalhes cinza e fios se espalhando por todos os quadros. Nesse cenário, os humanos, e o próprio Demolidor parecem estar completamente desconectados, reforçando para nós o sentido de alienação que permeia a história.


Assim é através dessa conversa que o Demolidor consegue não só um motivo para os crimes do Assassino da Aspirina, como também um contexto e o endereço do mesmo. Além de um pedido sincero de que o herói "não pegue muito pesado com ele", visto ser apenas um homem confuso.


Desse ponto em diante, a história segue tal qual a do Justiceiro, com o herói chegando no exato instante em que Castle ia arremessar Coopersmith do prédio.


Demolidor chega no momento em que o Justiceiro está para matar Alfred Coopersmith, nesse momento, os dois pontos de vista se encontram, e surge um terceiro - o do próprio Alfred

O que, se segue, então, é o mesmo confronto de antes, mas agora apresentado para nós no ponto de vista do Assassino. Essa é uma escolha curiosa porque, ao olhos de Alfred, ambos os lutadores representam o mesmo lado de uma situação. Por mais que o Demolidor se apresente como um representante da Justiça, ou pelo menos de uma justiça diferente da proposta pelo Justiceiro, sob sua perspectiva, os dois personagens se perdem, se transformando em duas criaturas violentas, engalfinhadas em uma luta que mais parece uma briga de território do que uma discussão ideológica.


Algo bem Revolução dos Bichos, se pararmos para pensar um pouco.


Não só isso, na visão do próprio Coopersmith, ambos os personagens se resumem a duas formas de violência autoritária, visto que, em sua intervenção, tiram sua autonomia de indivíduo, sujeitando-o a agir de acordo com suas vontades, garantidas e respaldas pela força dos combatentes.


O Demolidor e o Justiceiro lutam entre si, sendo observados por Alfred

Esse tema da efetividade do heroísmo, ou, melhor dizendo, do vigilantismo do Demolidor é um dos temas recorrentes da fase de Ann Nocenti à frente do personagem. Na verdade, muito do discurso social da história (as grandes empresas que esmagam o pequeno trabalhador, o modo como o sistema evoluí e deixar para trás aqueles que não conseguem acompanhá-lo) é uma característica das histórias da autora. Nesse caso em particular, no entanto, ela leva a discussão às suas consequências mais extremas, usando o Justiceiro como um comparativo ao Homem Sem Medo, e apresentando essa discussão através de Coopersmith, que seria o típico "homem comum" preso em uma batalha de titãs.


À medida em que a luta avança, porém, os dois combatentes se esquecem da presença do Assassino que, valendo-se dessa distração pega sua arma e ameaça atirar nos dois, sendo prontamente derrubado pelo Demolidor.


Quando acorda - já no final da história - Coopersmith recebe a visita de Matt Murdock, a contraparte civil do Demolidor, que se oferece a assumir o seu caso como seu advogado de defesa. Não só isso, Murdock conversa com o Assassino e lhe explica que a sociedade tem o dever de cuidar daqueles que são deixados para trás e que mesmo preso, ele pode ter a chance de se reabilitar. Com essa mão estendida, Alfred pergunta se ele teria como ter aulas de computação na prisão. Ao receber uma resposta afirmativa do advogado, o Assassino aceita ser defendido, encerrando a história em um tom até que esperançoso.


Preso, Alfred aceita a oferta do advogado de pagar por seus crimes.

Pontos de vista em conflito - o resultado final do embate:

Bem, e esse foi o crossover entre Justiceiro e Demolidor, e acho que já deu para entender o porquê de eu ter escolhido essas histórias em particular. Ao partir de uma mesma premissa, cada roteirista, Mike Baron, com o anti-herói, e Ann Nocenti com o super-herói, apresentam duas histórias bem diferentes, uma vez que cada um de seus respectivos personagens se encontram nos dois extremos da linha do vigilantismo, representando pontos de vista diametralmente opostos.


Demolidor e Justiceiro se enfrentam no telhado
Demolidor vs. Justiceiro - mais do que um embate físico, um debate sobre pontos de vista

Sob o ponto de vista de Frank Castle, Alfred Coopersmith é apenas mas um criminoso que precisa ser eliminado. Desprovido de qualquer nuance ou qualidade redentora, o Assassino da Aspirina é apenas o mal da vez, precisando ser erradicado o mais rapidamente possível. Pouco interessa ao Justiceiro se o mesmo foi demitido de modo abrupto ou o estado mental em que Alfred se encontra. Para o anti-herói, basta saber apenas que ele cometeu um crime, e precisa ser punido por isso.


Agora, do outro lado da narrativa, temos o ponto de vista do Demolidor, que consegue ver toda a pequena tragédia humana da vida de Alfred. Para o herói, o Assassino da Aspirina é um criminoso, e isso não é questionável. No entanto, como todo ser humano, ele tem que passar pelo devido processo legal, sendo julgado e condenado por seus crimes. Não só isso, a ele também precisa ser oferecida uma chance de reabilitação, para que, uma vez que tenha pago por suas ações, ele possa ser reintegrado na sociedade.


Não só isso, o ponto de vista do Demolidor também nos oferece a chance de ter uma visão maior do ponto de vista do próprio Alfred, gerando uma terceira perspectiva sobre a história e nos oferecendo um ponto de vista externo que traz à tona a contradição representada pelo vigilantismo pela perspectiva do "homem comum" - retomando, de certa forma, o primeiro questionamento realizado ainda na edição 232 do Homem Sem Medo.


Colagem que reúne o Homem-Aranha, Motoqueiro Fantasma e Wolverine

É é dessa maneira que o ponto de vista afeta a construção de uma narrativa. Pois, fossem outros personagens, certamente teríamos desenvolvimentos diferentes. Se, por exemplo, colocássemos um Homem-Aranha no lugar do Demolidor, a história poderia muito bem tomar um caminho totalmente diferente. Da mesma forma, um outro personagem, como o Motoqueiro Fantasma ou Wolverine, não mudaria tanto a premissa central da história se assumisse o papel do Justiceiro, mas muito provavelmente dariam uma dinâmica que talvez nos desse o ponto de vista de alguma. das vítimas após a perda de um familiar.


É aqui que retomo aquilo que disse lá em cima, assim como a proposição do Sr. Mckee, o ponto de vista atua como uma moldura para a história, conduzindo os caminhos e escolhas que o roterista/escritor vai precisar seguir a partir da visão de um personagem. E quando isso não acontece...bem, é aí que coisas estranhas podem acontecer.


Mas isso já é o tópico para um outro texto.


Antes de encerrarmos por hoje, gostaria de deixar aqui a recomendação de um vídeo ensaio que analisa a passagem da Ann Nocenti à frente do título do Demolidor. Feito pelo Matt Draper, o ensaio abrange toda a fase da roteirista e, na minha opinião, oferece uma visão bem ampla de suas características e ideias:



Para aqueles que ficaram curiosos para ler mais, as histórias. em questão saíram no Volume 04 da primeira fase de A Saga do Demolidor - que eu acho que conseguiu publicar todas as edições de Nocenti como roteirista.


Pois bem, dito isso é hora de dar tchau!


Até a próxima!



Referências:


Aventuras na História - Os Assassinatos do Tylenol: 5 coisas para saber antes de assistir à série da Netflix

Escrita Selvagem- Como escrever pontos de vista

Livro - Story: substância, estrutura, estilo e os princípios da escrita de roteiro (Link da Amazon)

  • A Saga do Demolidor v1. n.04 - Panini Comics


No caso, o livro do Mckee está com link de associado da Amazon, então ao comprá-lo por aqui, você vai estar dando uma ajuda para o site. Lembrando que você não precisa comprar necessário esse livro. Na verdade, realizando uma compra a partir do link, a Amazon já conta como uma compra de associado, então fica a dica = )



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Aproveitando que estamos aqui, você já sabia que tenho também uma Newsletter? Lá, comento um pouco sobre quadrinhos, textos e traduzo algumas creepypastas. Na última edição, falei um pouco sobre a importância do Quarteto Fantástico na história do universo Marvel, e você pode conferir esse texto por aqui:

Arte de divulgação da edição mais recente da Newsletter, que traz a capa da prmeira edição do Quarteto Fantástico


Link da edição mais recente da news - Substack



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